A evolução é o movimento infinito de tudo o que existe, a transformação incessante do Universo e de todas as suas partes, desde as origens eternas e durante o infinito das eras. As vias lácteas que surgem nos espaços sem fronteiras, que se condensam e se dissolvem durante milhões e milhões de séculos, as estrelas, os astros que nascem, que se agregam e que morrem, nosso turbilhão solar com seu astro central, seus planetas e luas, e, nos limites estreitos de nosso pequeno globo terráqueo, as montanhas que surgem e desaparecem, os oceanos que se formam para em seguida exaurir-se, os rios que vemos brotar nos vales e depois ressecarem como o orvalho da manhã, as gerações de plantas, de animais e de homens que se sucedem, e nossos milhões de vidas imperceptíveis, do homem às drosófilas, tudo isto faz parte da grande evolução, que tudo arrasta em seu turbilhão sem fim.
Em comparação a esse fato primordial da evolução da vida universal, o que são todos esses pequenos eventos chamados revoluções astronômicas, geológicas ou políticas? Vibrações quase insensíveis de aparências, poderíamos dizer. Miríades por miríades, é assim que as revoluções se sucedem na evolução universal; mas, por mínimas que pareçam, elas fazem parte desse movimento infinito.
Assim, a ciência não vê nenhuma oposição entre essas duas palavras, evolução e revolução, que muito se parecem, mas que na linguagem comum são empregadas em um sentido completamente distinto de seu significado inicial. Longe de ver os fatos de mesma ordem diferenciando-se apenas pela amplitude de seus movimentos, os homens covardes, a quem qualquer modificação assusta, tentam dar aos dois termos um sentido totalmente oposto. A Evolução, sinônimo de desenvolvimento gradual, contínuo, nas ideias como nos costumes, é apresentada como se fosse o contrário dessa coisa assustadora, a Revolução, que implica, de fato, mudanças mais ou menos bruscas. É com um entusiasmo aparente, ou mesmo sincero, que falem da evolução, dos progressos lentos que se operam nas células cerebrais, no segredo das inteligências e dos corações; mas que não se fale da abominável revolução, que vaza de repente dos espíritos para se deflagrar nas ruas, às vezes acompanhada dos gritos da multidão e do ruído das armas.
Constatemos, para começar, que fazemos prova de ignorância imaginando existir entre evolução e revolução um contraste de paz e de guerra, de moderação e de violência. As revoluções podem se realizar pacificamente graças a uma transformação repentina da sociedade, gerando uma mudança nos interesses; de outro lado, as evoluções podem ser laboriosas, marcadas por guerras e perseguições. Se a palavra evolução é bem recebida por aqueles mesmos que veem os revolucionários com horror, é que não se dão bem conta de seu valor, pois disso não querem nem ouvir falar. Eles falam do progresso em termos gerais, mas não toleram o progresso enquanto singularidade. Eles acreditam que a sociedade atual, com todos os seus defeitos e tal qual a veem, deve ser conservada; é suficiente que realize seus ideais: riqueza, poder, consideração, bem-estar. Pois, como existem pobres e ricos, poderosos e dominados, mestres e servidores, Césares que ordenam ao combate e gladiadores que vão à morte, às pessoas espertas cabe somente se estabelecer do lado dos ricos e poderosos e cortejar os Césares. Essa sociedade dá o pão, o dinheiro, o espaço, as honras, então! Que os homens dotados de espírito se acomodem de maneira a conquistar um pedaço, o maior possível, de todos esses presentes do destino. Se, ao nascer, uma fada-madrinha lhes dispensou de toda luta, dando por herança o necessário e o supérfluo, de que reclamariam? Eles procuram se convencer que todos estão tão satisfeitos quanto eles mesmos: para o homem saciado, todo mundo jantou bem. Quanto ao egoísta que não foi ricamente loteado desde o berço, e que não está satisfeito da situação para si mesmo, este pelo menos pode esperar conquistar seu lugar pela intriga ou pelo lisonjeio, pela sorte ou mesmo pelo trabalho obstinado ao serviço de um poderoso. O que significaria para ele a evolução social? Evoluir em direção à sua própria fortuna é sua única ambição! Longe de buscar uma justiça para todos, atingir seu próprio privilégio lhe é suficiente.
Existem ainda alguns espíritos ponderados que creem honestamente na evolução das ideias, que alimentam uma vaga esperança na transformação equivalente das coisas, e que, contudo, através de um instinto, de um medo quase físico, preferem evitar, pelo menos enquanto estão vivos, qualquer revolução. Eles a invocam e a conjuram ao mesmo tempo: criticam a sociedade presente e sonham com uma sociedade futura, como se esta devesse surgir de repente, como por milagre, sem que o menor sinal de ruptura se produza entre o mundo passado e o mundo futuro. Seres incompletos, eles têm somente o desejo, sem deter a reflexão; eles imaginam, mas não sabem querer. Pertencendo aos dois mundos, estão condenados a trair um e outro: na sociedade conservadora eles são um elemento de dissolução por suas ideias e sua linguagem; na dos revolucionários, eles se tornam retrógrados, abjurando seus instintos de juventude e, como o cão citado no evangelho “devoram o que tinham antes vomitado”. É assim que, durante a Revolução, os defensores mais árduos do antigo regime foram os que outrora o tinham perseguido com suas risadas: de precursores se tornaram renegados. Percebem tarde demais, como os mágicos das lendas, que haviam desencadeado uma força demasiadamente forte para suas frágeis opiniões e tímidas mãos.
Uma outra classe de evolucionistas é aquela que, no conjunto das mudanças a alcançar, só veem uma e se concentram estrita e metodicamente em sua realização, sem se preocupar das outras transformações sociais. Eles limitaram e balizaram seu campo de ação. Alguns, mais hábeis, obtiveram dessa maneira a paz com suas próprias consciências, trabalhando pela revolução futura e evitando se meter em perigo. Sob pretexto de consagrar seus esforços a uma reforma iminente, perdem de vista o ideal superior — e o recusam mesmo com veemência — para que não os suspeitem de compartilhar. Outros, mais honestos, respeitáveis, mesmo vagamente úteis ao desfecho da grande obra, têm, na verdade, devido a escasso raciocínio, um só progresso em vista. A sinceridade de seus pensamentos e de seus comportamentos lhes evita qualquer crítica: lhes consideramos irmãos, mas reconhecemos com pesar o quanto seus campos de luta são estreitos e como, por suas cóleras concentradas em um só motivo de abuso, eles parecem aceitar, como sendo justas, todas as outras iniquidades.
Nem falo dos que tomaram como objetivo, no entanto, excelentes, a reforma ortográfica, a regulamentação da hora ou a modificação do meridiano, ou, ainda, a supressão dos espartilhos e gorros de pele1 ; mas existem projetos mais sérios que não se prestam ao ridículo e que exigem de seus protagonistas coragem, perseverança e compromisso. Quando se detecta nos progressistas retidão perfeita, fervor do sacrifício e desprezo do perigo, o revolucionário lhes deve simpatia e respeito. Assim, quando vemos uma mulher pura de sentimentos, de caráter nobre, intacta de qualquer escândalo frente a opinião pública, sair na rua em direção à prostituta e lhe dizer: “tu és minha irmã e venho me aliar contigo para lutar contra o responsável do serviço da ordem moral que te insulta e baixa a mão sobre teu corpo, contra o médico da polícia que manda te prender por oficiais de justiça e te violenta por sua visita, contra a sociedade inteira que te despreza e te rebaixa”, nenhum de nós usa de considerações gerais de modo a barganhar seu respeito à corajosa evolucionista em luta contra a obscenidade do mundo oficial. Sem dúvida, poderíamos dizer que todas as revoluções se valem, que a revolta do indivíduo contra o Estado abraça a causa do condenado ou de outro rechaçado, tanto quanto a da prostituta; mas não ficamos menos tomados de admiração pelos que combatem nesse campo árduo e censurado. Da mesma maneira, tomamos por heróis todos os que, em qualquer país, em qualquer século, souberam se dedicar sem intenção dissimulada a uma causa coletiva, mesmo seus horizontes parecendo limitados! Que cada um de nós lhes felicite com emoção e diga a si mesmo: “saibamos lhes igualar em nosso campo de batalha, bem mais vasto, que abrange a terra inteir!”.
Efetivamente a evolução abraça o conjunto das coisas relativas aos humanos e a revolução deve as abraçar também, ainda que nem sempre haja um paralelismo evidente nos acontecimentos parciais dos quais se compõe a vida das sociedades. Todos os progressos são solidários, e nós os desejamos todos na medida de nossos conhecimentos e da nossa energia: progressos sociais e políticos, morais e materiais, das ciências, da arte ou da indústria. Evolucionistas em todas as causas, também somos revolucionários em tudo, sabendo que a história, ela mesma, não é mais que uma série de efetivações que sucedem a uma série de preparações. A grande evolução intelectual que emancipou os espíritos tem, por consequência lógica, a emancipação efetiva dos indivíduos na sua relação com os outros.
Podemos dizer, assim, que a evolução e a revolução são dois atos sucessivos de um mesmo fenômeno, a evolução precedendo à revolução, esta precedendo uma nova evolução, mãe das revoluções futuras. Poderia uma transformação se realizar sem que repentinos desequilíbrios se produzam no que é vivo? Não deveria a revolução suceder à evolução, da mesma maneira que um ato sucede ao desejo de agir? Um e outro só se diferenciam pela época em que surgem. Se um amontoado rochoso obstrui um rio, as águas se acumulam gradualmente e um lago aparecerá depois de uma lenta evolução; mas, repentinamente, uma infiltração pode aparecer em uma parte baixa da represa e a queda de uma pedra pode decidir o cataclismo: a barragem será rompida com violência e o lago será novamente rio. Assim, acontecerá uma pequena revolução terrestre.
Se a revolução apresenta sempre um atraso quanto à evolução, a causa é a resistência dos ambientes em que evolui; as águas de uma corredeira são ruidosas, pois as margens as retardam em sua marcha; o trovão rola no céu porque a atmosfera se opôs à faísca que atravessou as nuvens. Cada transformação de matéria, cada realização de uma ideia é, no período mesmo da transformação, contrariada pela inércia do meio, um fato original não se realizará se não por um esforço tão violento ou uma força tão intensa, quão grande for a resistência. Herder2, citando a Revolução Francesa, já disse: “A semente cai na terra, parece morta durante tempos, repentinamente ela empurra o tegumento, a terra dura que a cobria, força a argila inimiga, e vira planta, que floresce e amadurece seus frutos”. E a criança, como nasce? Após ter estado nove meses no sombrio ventre materno, é também com violência que se liberta rasgando o envelope, às vezes mesmo matando a mãe3. Assim são as revoluções, consequências necessárias das evoluções que as precederam.
As fórmulas proverbiais são perigosas, pois se toma espontaneamente o hábito de repeti-las automaticamente, como para se dispensar de reflexão. É assim que se diz em todo canto o provérbio de Linné4: “Non facit saltus natura”. Sem dúvida “a natureza não dá pulos”, mas cada uma de suas evoluções se faz pelo deslocamento dos esforços em direção a um novo ponto. O movimento geral da vida em cada ser em particular e em cada grupo de seres não demonstra uma continuidade direta, mas sempre uma sucessão indireta e, por conseguinte, revolucionária. O galho não se adiciona em extensão de um outro galho. A flor não é o prolongamento da folha, nem o pistilo o do estame, e o ovário difere do órgão que lhe deu origem. O filho não é a prolongação do pai e da mãe, mas um ser novo. O progresso acontece pelas mudanças contínuas do ponto de partida para cada indivíduo distinto. É o mesmo para as espécies. A árvore genealógica dos seres vivos é como a árvore, ela mesma, um conjunto de ramificações que extrai sua força de vida não da ramificação precedente, mas da seiva original. Para as grandes revoluções históricas o procedimento é o mesmo. Quando os antigos quadros e as formas limitadas dos organismos tornam-se insuficientes, a vida se desloca para induzir uma nova formação. Uma revolução se produz.